The Life


Uacari - O macaco homem da Amazônia.

06/08/2010 23:09

Ele mais parece um velho calvo, com uma sisuda cara rubra de bebum, metido num surrado casaco de pele. Um típico beberrão britânico, na visão dos zoólogos, que, por isso mesmo o apelidaram de "macaco inglês". Até mesmo os índios, grandes apreciadores de carne de macaco, o evitam, por seu incrível aspecto humano. É o uacari, o macaco-homem da Amazônia. Mas, além da sua insólita cara vermelha, resultado de um complexo sistema de vasos sanguíneos, e de ser o único macaco de cauda curta da América Latina, outras particularidades chamam a atenção neste raro animal, só econtrado nas selvas Amazônicas, lar de um quarto dos macacos do planeta. O uacari vive no alto das árvores, em florestas às margens de rios - regiões sujeitas a inundações de março e agosto. Segundo o zoólogo brasileiro José Márcio Ayres, que há quatorze anos estuda esse tipo de macaco e é um dos maiores especialistas mundiais no assunto, existem duas especies conhecidas de uacaris: os de cabeça preta e os de cabeça pelada - estes divididos em quatro subespécies que variam na coloração dos pelos, entre tons brancos e avermelhados. De todos, o mais raro é o branco, que só existe no Brasil. Os outros habitam também, as matas amazônicas da Colômbia, Peru e Venezuela. Apesar de seu disfarce de homem forte e corpulento, o uacari engana: pesa menos de quatro quilos e não chega aos 50 centímetros de altura. É tão dócil quanto um animal doméstico, ainda que não suporte o cativeiro. É, também, esquivo a ponto de não ter sido reconhecido por nenhum dos moradores de Alvarães, nas vizinhanças de seu habitat - no Amazonas -, quando, há oito anos, Ayres andou por lá mostrando fotos do macaco-homem. Outra característica do uacari é que, ao contrário dos outros macacos, ele só se alimenta de frutas. Gosta, particularmente, das sementes dos frutos ainda verdes, pois a natureza dotou-o de uma dentição forte o bastante para que ele consiga quebrar os caroços sem triturar os próprios dentes. Para Márcio Ayres, esse ritual de devorar os miolos dos caroços- algo bem peculiar do uacari - faz com que ele goze de simpatia unânime dos pescadores amazônicos. Ayres descobriu que, pela manhã, os uacaris, aos bandos, passam horas se alimentando no alto das árvores, e que a queda dos frutos decascados na floresta inundada de transforma numa espéice de banquete para os peixes. São nestes momentos que os pescadores enchem seus samburás. Quando os uacaris não estão por perto, os canoeiros tratam de imitar a natureza batendo com os remos na água, simulando a queda dos frutos. É o homem copiando um macaco com cara de homem. 

Ameaça de extinção.

Apesar de tudo, paira uma ameaça sobre o uacari. Estima-se que só existam hoje de 10 a 15 mil exemplares da espécie branca. Parece um número razoável, mas não é. Os elefantes, por exemplo, somam 750 mil. O problema do uacari não é a caça (embora ele já esteja incluído no triste rol das espécies ameaçadas de extinção). É, sim, uma nefasta combinação entre a lentidão do seu sistema reprodutor e a acelerada destruição de seu habitat. Um uacari vive cerca de 15 anos, mas só aos cinco é considerado adulto. Em seus 10 anos de "vida madura", uma fêmea só consegue dar à luz, no máximo, cinco filhotes, pois embora a gestação não dure mais do que seis meses, a procriação só ocorre a cada dois anos. Por outro lado, a extração de madeira leve para a fabricação de compensado (a madeira nobre já se foi toda) e o desmatamento têm reduzido drasticamente a sua fonte de alimentação e - pior - provocado erosão do solo. Ao caírem, as árvores quase sempre derrubam outras mais próximas, num terrível efeito dominó em que todos perdem, principalmente o uacari, que só sabe viver em cima das árvores. Prova disso é que dez anos atrás o uacari branco podia ser encontrado na foz do Rio Japuará. O desmatamento acelerado modificou a vegetação do lugar e ele desapareceu dali. Mas nem tudo está perdido. Recentemente, Márcio Ayres, junto com entidades e pesquisadores nacionais e estrangeiros, conseguiu que o governo do Amazonas criasse a Estação Ecológica Mamirauá, no único lugar que restou para o uacari branco viver em paz: um triângulo formado pelos rios Japurá, Alto Solimões e Auati Paraná, a 500 km de Manaus. A área tem 12 mil quilômetros quadrados, o equivalente a mais da metade de Sergipe. O objetivo é manter o ecossistema da várzea, sem, porém, expulsar os quase mil habitantes do lugar, que serão instruídos para uma convivência harmoniosa com os macacos. Afinal, entre o uacari e o homem devem existir mais afinidades do que a simples aparência.

 

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Fonte: CAPELAS, Afonso Jr. Uacari, o macaco homem da Amazônia, Revista Os Caminhos da Terra, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 25-27, mai. 1992.

 

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